Ao longo de mais de um século, quase todos os componentes do automóvel evoluíram de uma forma considerável. Este desenvolvimento resultou do esforço de várias gerações de profissionais, decididos a melhorar o rendimento, a fiabilidade e o conforto da máquina que transformou a mobilidade no século XX.
A embraiagem é um desses componentes cujo conceito evoluiu de forma significativa desde os primeiros dias do automóvel. Neste post, vamos analisar de forma detalhada o funcionamento da embraiagem, desde o seu início até ao precursor da embraiagem atual.
Se lhe interessa o funcionamento da embraiagem, não deixe de ler outros posts do REPXPERT, o Blog da Oficina Mecânica, dedicados a este componente, como o dedicado à embraiagem ajustável ou à dupla embraiagem, entre outros.
Embora a história situe o nascimento do automóvel em 1886, o motor de combustão apenas se impôs em grande escala no final da primeira década do século XX, superando os veículos elétricos e a vapor. Estes últimos apresentavam uma grande vantagem em relação aos primeiros. Graças à sua curva de binário quase ideal, não requeriam embraiagem nem caixa de velocidades, sendo que eram muito mais fáceis de manobrar, menos propensos a sofrer avarias e apresentavam uma manutenção mais fácil.
Uma vez que o motor de combustão apenas emite potência com um determinado número de rotações, tem de haver uma possibilidade de separação entre o motor e a caixa de velocidades. Necessita-a para atingir um determinado número de rotações aquando do arranque e para trocar as relações de velocidades sem carga durante a condução.

A pioneira: Embraiagem por correia
O princípio de funcionamento das primeiras embraiagens provém do conceito de transmissão habitual na indústria no final do século XIX, através de correias planas de couro. Ao esticar essa correia através de uma polia tensora, a potência de acionamento da polia do motor era transmitida para as rodas motoras, e ao abrandar, deslizava-se, isto é, desengatava-se.
Este processo desgastava as correias de couro com muita rapidez e, por isso, mudou-se imediatamente de abordagem e, além da polia de acionamento, começou a ser instalado um disco igualmente grande com funcionamento em vácuo. Ao acionar uma alavanca, a correia de transmissão podia desviar-se da polia livre para a polia motriz. O veículo a motor patenteado da Benz de 1886 (ver imagem mais acima), considerado o primeiro automóvel da história, utilizava esta solução de embraiagem.
Este conceito de acionamento por correia teve um percurso curto no automóvel devido a inconvenientes como uma baixa eficiência, uma alta predisposição ao desgaste e características de rodagem insuficientes, especialmente com chuva, por um lado, assim como a necessidade de caixas de velocidades para as potências de aumento gradual do motor, por outro lado, o que levou os fabricantes a procurar outras soluções.

Nasce a embraiagem de fricção
Foi assim como surgiu uma grande variedade de tipos de embraiagem. Inclusive os precursores das nossas embraiagens atuais, que se baseiam no princípio básico da embraiagem de fricção, foram desenvolvidos nessa época: neste caso, um disco colocado na extremidade da cambota aproxima-se de um segundo disco fixo para engatar. É produzida fricção quando os discos se tocam, e o disco não acionado começa a mover-se (ver imagem). À medida que a pressão de aperto aumenta e as rotações aumentam, o disco motriz arrasta o acionamento até ser obtida aderência e ambos alcançarem a mesma velocidade de rotação. No período de tempo desde que os discos estão separados até que se juntam, a energia do acionamento principal torna-se em calor com o deslizamento dos discos entre si.


Um novo conceito, a embraiagem cónica
Com este procedimento, tanto se obtém um engate suave e progressivo como uma transmissão de força sem perdas com a embraiagem acionada. O veículo de rodas de aço fabricado por Daimler em 1889, equipado com uma embraiagem de fricção cónica (ver imagens) já tinha a forma básica deste princípio de construção. Neste caso, no volante torneado de forma cónica engata-se um cone de fricção que se move livremente na árvore do motor propulsor e que está fixamente ligado à árvore da embraiagem através da carcaça da embraiagem.
O cone é pressionado contra o volante com uma mola e, ao acionar o pedal, pode ser atraído contra a pressão elástica através da manga de desengate de movimento livre. O fluxo de força é interrompido desta forma. No início, as correias de pelo de camelo serviam como revestimento de fricção na superfície cónica, mas rapidamente foram substituídas por correias de couro, que eram empapadas em óleo de rícino para as proteger contra a humidade, massa lubrificante e óleo (figura 5).
Este procedimento tinha as vantagens de ser autoajustável e de não sobrecarregar o veio primário. No entanto, predominavam os inconvenientes. Por exemplo, o disco volante e o cone da embraiagem eram muito grandes e paravam com demasiada lentidão ao desengatar. Como as caixas de velocidades ainda não estavam sincronizadas, era necessário que a embraiagem ficasse rapidamente quieta depois de desengatar para aplicar uma mudança.
Para resolver este inconveniente, a partir de 1910 foi instalado um travão adicional da embraiagem ou da caixa de velocidades que tinha de ser acionado através de um segundo pedal, a maioria das vezes em conjunto com o pedal da embraiagem e colocado com este numa árvore de pedal conjunta. Por comodidade, nessa altura muitos condutores deixaram de aplicar as velocidades e, em vez disso, preferiram deixar a embraiagem deslizar para regular a velocidade do veículo, com o sobreaquecimento da embraiagem e ao provocar o seu bloqueio quando arrefecia.

A procura de novos conceitos de revestimentos da embraiagem que não bloqueassem fez com que fossem experimentadas variantes tão exóticas como eficazes, desde o revestimento de camelo ou o alumínio refrigerado por óleo (ver imagem).

A embraiagem de cinta de aço
As embraiagens cónicas foram a referência até à década de 1920, sobretudo graças à sua simplicidade. A única alternativa desta tecnologia foi apresentada pela embraiagem de cinta de aço, uma variedade da embraiagem cilíndrica instalada por Daimler nos veículos Mercedes desde o final do século XIX, e que foi utilizada até, aproximadamente, à Primeira Guerra Mundial graças à sua engenhosa e simples solução de construção.
Na embraiagem de cinta de aço, uma forte cinta elástica helicoidal, que alojava o friso sob a forma de tambor do veio de transmissão, encontrava-se num entalhe do disco volante. Uma extremidade da mola helicoidal estava ligada ao disco volante e a outra estava fixada à tampa da caixa da mola. O acionamento do pedal da embraiagem tensionava a cinta elástica e enrolava-se (autopotenciador) de forma cada vez mais firme em torno do tambor ao arrastar o veio da caixa de velocidades, isto é, engatava-se. A tensão aplicada na mola apenas requeria uma ligeira força e conseguia uma embraiagem suave (ver imagem acima).

Percursor da embraiagem atual
Devemos a solução que deu origem à embraiagem atual ao professor Hele Shaw, cuja embraiagem de vários discos começou a ser utilizada nos automóveis em 1905. Tratava-se de uma tecnologia que oferecia uma superfície de fricção muito superior, requeria pouco espaço e oferecia uma engrenagem contínua (ver imagem).
Na embraiagem multidisco, o disco volante está unido a uma caixa com a forma de tambor, equipada com ranhuras no seu interior que correspondem à forma da borda exterior dos discos, sendo que giram com a cambota ou o volante, mas podem deslocar-se ao mesmo tempo no sentido longitudinal. Um número idêntico de discos com entalhes interiores está centrado num cubo unido à árvore da embraiagem
Os discos podem deslocar-se no cubo no sentido longitudinal da árvore da embraiagem. Durante a montagem, são combinados discos de embraiagem interiores e exteriores de forma alternativa para formar um pacote de pratos no qual se alternam um disco motriz e um disco acionado respetivamente. Os pares de pratos formados desta forma, nos quais no início girava um disco de bronze contra um disco de aço, eram prensados através de um disco de pressão pela mola da embraiagem. Desta forma, todos os discos da embraiagem engatavam de forma contínua.
Graças a este aumento progressivo da potência de fricção, a embraiagem de vários discos engatava com muita suavidade. Ao reduzir a tensão da mola, os discos voltavam a desengatar-se, parcialmente apoiados por faixas elásticas dobradas do plano dos discos. Ao variar o número de pares de discos, seria possível adaptar um tipo básico de embraiagem a qualquer potência do motor. As embraiagens multidisco funcionavam tanto em banho de óleo ou petróleo, como em seco. A sua maior desvantagem era sem dúvida o efeito de arrasto, sobretudo em banho de óleo, que provocava uma interrupção de potência insuficiente, o que dificultava a aplicação de mudanças. Em alguns anos, a chegada da embraiagem monodisco mudaria tudo, ultrapassando a embraiagem cónica e a embraiagem de vários discos.
Imagem: Wikipedia Commons
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